domingo, 6 de dezembro de 2009

Cimeira do clima falada a 192 vozes


Cimeira do clima falada a 192 vozes
Tudo pronto para acolher os líderes mundiais
 
De amanhã até dia 18, muita água correrá debaixo das pontes e terá de ser partida ainda muita pedra sobre as mesas de negociação em Copenhaga.
É ali que convergem os representantes técnicos e políticos de 192 países. Objectivo: estabelecer plataformas de responsabilidades mútuas para deixar subir pouco, e depois diminuir mesmo, as emissões dos gases com efeito de estufa (GEE). Estes são, na verdade, os maus da fita: o óxido nitroso, o metano e aquele que tem mais fama de entre todos, o dióxido de carbono (CO2).
Ao aumento da concentração desses gases na atmosfera por acção humana é imputado o aumento médio da temperatura global, a um ritmo e intensidade que o planeta só suportará à custa de grandes alterações de todo o clima e dos sistemas vivos que dele dependem. O dedo da Humanidade está aqui impresso, diz quase em uníssono a comunidade científica. E a Humanidade pode vir a sofrer os impactos do aquecimento em todos os aspectos da sua vida e desenvolvimento.
Há cerca de duas décadas que a questão começou relutantemente a ser assumida pelos governantes, após o protagonismo encetado por movimentos ambientalistas, com ouvidos dados a estudos de múltiplos grupos científicos. A chancela das Nações Unidas às questões climáticas viria, depois, pôr na agenda internacional a emergência de os países acordarem acções destinadas a conter o aumento das temperaturas. As emissões de GEE, sobretudo da indústria e transportes, passaram a estar no centro da procura de compromissos. Mas também outras acções com impacto na atmosfera e restantes sistemas da Terra, como a desflorestação. Tudo isso continuará sobre as mesas de negociação de Copenhaga.
Debates  técnicos e acertos diplomáticos ocupam primeira semana da COP15. Taxas de redução do CO2 estão no centro das negociações. 
Ricos, pobres e aqueles que procuram no maior desenvolvimento industrial um remédio para os seus males. Blocos de países e potências isoladas. Os que já poluíram muito, pouco ou nada. Os que já estão com os pés molhados ou à míngua de água. Toda a diversidade mundial de situações converge em Copenhaga para discutir sobre o clima e como será o futuro da Terra. Porque esta está a aquecer por intervenção humana, garantem os cientistas.
Por blocos de interesses ou individualmente, os 192 países vão negociar em especial as taxas de redução do carbono (CO2), datas desse compromisso, contrapartidas, sistemas de compra e venda de emissões entre economias que não atingem ou que ultrapassam tectos fixados, e tecnologias mais verdes. Em causa estará também o ano em que, globalmente, as emissões têm de entrar em queda significativa.
Há um objectivo expresso ditado pelas contas dos cientistas: evitar que a temperatura escale para mais de dois graus centígrados até final do século, comparativamente a mais de 100 anos atrás. Resta definir como.
A COP15 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, na sua 15ª reunião magna) leva à capital da Dinamarca um leque de propostas mais arrojadas de redução dos Gases com Efeito de Estufa (GEE) do que as contidas no Protocolo de Quioto para os países industrializados. Estes, ao todo 37, tinham-se comprometido a reduzir, entre 2008 e 2012, as emissões em 5,2% face aos valores de 1990.
Como meta mais longínqua, esse grupo deveria preparar-se para reduzir entre 25 a 40% em 2020. A outro núcleo de países, foi admitido um grau de esforço diferenciado, de acordo com o seu desenvolvimento.
Mas nem todos os grandes poluidores entraram nesta agenda, caso dos EUA, e mesmo alguns subscritores acabaram por reduzir menos que o prometido. Isto, apesar de a crise económica ou a desarticulação de poderios industriais (caso do antigo Bloco de Leste) com tecnologia obsoleta terem amainado o crescimento galopante das emissões. O maior volume destas tem origem nos processos de queima dos combustíveis fósseis, como o carvão, o gás e tudo o que faz mover os transportes e o grosso dos processos de fabrico industrial e de produção de energia.
No cômputo global para a atmosfera, a verdade é que as emissões vêm aumentando, não só em volume de carbono, como de metano e outros dos gases que mais contribuem para a subida das temperaturas. Até agora, os esforços apenas permitiram que o ritmo da concentração de gases na atmosfera não fosse ainda mais acelerado.
E uma das negociações em causa na agenda de Copenhaga consiste em fixar o ano em que essas emissões não mais poderão ultrapassar uma fasquia, sob o risco de o clima atingir um ponto de não-retorno, em que nenhuma medida de remedeio poderá fazer parar uma cascata de danos a todos os sistemas terrestres.
A cimeira de Copenhaga vai ter sobre a mesa uma proposta que tem por base os cenários traçados pelo Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas. Segundo esses dados, para que o aumento da temperatura global não ultrapasse os dois graus, o pico das emissões não pode ocorrer além de 2020 e terá de atingir-se uma redução para metade a meio do século.
Os países de economias emergentes, invocando a necessidade de dar às suas populações pelo menos o nível de desenvolvimento que blocos como o europeu alcançaram em mais de 150 anos de Revolução Industrial, à custa de muita poluição, consideram que não deverão ser eles a pagar agora a factura.
Já a Europa se assumiu, e assume, como a região com metas mais ambiciosas nas taxas de redução e calendário. O relatório mais recente da Comissão Europeia proclama que será cumprido o objectivo de cortar em 8% as emissões, pelo menos pelo conjunto da União Europeia (UE) a 15. Dez de entre os outros 12 parceiros reduzirão o CO2 entre 6% a 8% até 2012. Malta e Chipre não se comprometeram com metas.
A UE tem sido a voz mais exigente quanto à redução dos GEE, desafiando outros blocos de países a segui-la nas suas promessas para pós-Quioto. Assim, lança como metas uma redução de pelo menos 20% ou até 30% a conseguir em 2020, face aos níveis de 1990.
Índia e China são os que mais ficam pé nesta posição. O último destes países igualou agora o cômputo das emissões dos EUA e usa um argumento: se as contas fossem feitas per capita não estaria a passar para a primeira posição das emissões GEE; além disso, tem ainda muita da sua população na pobreza. Daí as suas últimas propostas a Copenhaga: os cálculos devem ser feitos por unidade de conta designada intensidade carbónica, ou seja, o carbono emitido por relação ao Produto Interno Bruto (PIB).
A Índia segue quase o mesmo critério de reivindicação, que inclui ajuda dos ricos para medidas de mitigação através de tecnologias limpas. Não foi só por agenda antecipada que, nas últimas duas semanas, tanto a UE como os EUA andaram num corrupio de cimeiras com aqueles dois países em que, a par das grandes questões do mercado e das políticas do nuclear, foram abordadas ajudas tecnológicas para um desenvolvimento com menos carbono. Já antes dessas andanças diplomáticas, a Rússia também tinha sido interlocutora da UE e dos EUA, ela que fora muito reticente ao Protocolo de Quioto, subscrevendo-o mais tarde que os restantes parceiros.
Presentemente, os principais emissores de CO2 por volume total, ordenam-se da seguinte maneira, por ordem decrescente: China, EUA, Rússia e Índia. Os dois primeiros inverteram as posições muito recentemente. A Austrália também surge em posição de destaque, bem como o Canadá e a UE, os dois últimos a dar passos significativos para a redução e defendendo metas com calendários.
Quem deve pagar a factura: é nesta tónica que insiste o Brasil, assumindo também a voz de muitos países em desenvolvimento, aos quais tem sido imputada a responsabilidade de manter as manchas de floresta que funcionam como sumidouro natural do CO2 que outros vão emitindo com maior intensidade. Esses países distribuem-se por toda a cintura equatorial. Não aceitam que o mundo industrializado lhes aponte o dedo da desflorestação. Afinal, as suas populações têm de viver, se bem que com a mínima fracção dos ganhos com a madeira, das gigantescas pecuárias ou as extensões de cultivo da soja e palma. O maior lucro acaba sedeado noutros pontos do globo.
A Amazónia, o sudoeste asiático e África dão voz a estas queixas. África, por exemplo, emite apenas cerca de 4% do carbono que sai para a atmosfera com origem em actividades humanas. Haja, portanto, compensações, reclamam, no que estão a ser incentivados pela aliança improvável entre os presidentes do Brasil e da França.
Em direcção aos ricos, a maré de reivindicações não pára por aqui. Veja-se o caso de muitos arquipélagos, nomeadamente da Oceania e Índico. A manter-se o nível de degelo dos glaciares, a água subirá até chegar ao pescoço das suas populações. Em alguns casos, como as Maldivas, os governantes estão a accionar a pesquisa de locais onde o país se possa refundar com soberania e pés enxutos. O pequeno reino de Tuvalu é outro dos que mais alarmes lança para a comunidade internacional.
Mas, mesmo que territórios nacionais estejam fincados num sub-continente aparentemente firme, como é o caso do Bangladesh, o aquecimento pode ser devastador para milhões de entre a sua população. Estima-se que aquele país possa perder 17% do território, logo onde mais gente está concentrada, devido a um efeito conjugado da subida do nível dos oceanos e do degelo dos glaciares do Himalaia, onde o fenómeno se intensifica há anos, tal como acontece nas calotes polares, nos Alpes e no Quilimanjaro.
A água e a falta dela noutras regiões do Mundo, com a ameaça de perdas de vidas e colapso de economias baseadas na agricultura, juntam-se aos fenómenos climáticos extremos como as cheias, que transformarão mais milhões de pessoas em "refugiados ambientais", uma realidade para que as Nações Unidas têm vindo a alertar como das mais dramáticas consequências do aquecimento global.

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