O trabalho doméstico em Portugal vale entre 14,9% e 19% do PIB. São mais de 20 mil milhões de euros fora das contas oficiais.
Os portugueses não sabem, mas sempre que desempenham tarefas domésticas, como lavar loiça, tomar conta dos filhos ou fazer compras estão a contribuir para uma enorme fatia de produção invisível que escapa às estatísticas oficiais. É uma riqueza gerada que não entra nas contas do produto interno bruto (PIB), por não haver qualquer transação e serem atividades para autoconsumo, mas que representam, na prática, rendimento das famílias e contribuem para o seu bem-estar.
É trabalho que, em muitos casos, até pode ser facilmente contabilizável em termos de orçamento familiar: uma família que opte por lavar roupa em casa em vez de ir à lavandaria sabe facilmente quanto poupou com esta opção.
A realidade é que, se estas tarefas domésticas fossem contabilizadas no PIB, a riqueza produzida anualmente pelos portugueses era mais de 15% superior.
É um total acima dos ¤20 mil milhões que anualmente são produzidos dentro das quatro paredes dos lares e que escapam às estatísticas oficiais.
Como medir trabalho doméstico? As contas foram feitas por três economistas - Gianna Gianelli, Lucia Mangiavacchi e Luca Piccoli - e publicadas pelo instituto alemão IZA naquela que é a primeira tentativa de medir, de forma comparável, a produção doméstica nos vários países europeus.
Os autores utilizaram duas metodologias para estimar esta realidade na União Europeia. Uma primeira, através do custo de oportunidade, mede a produção doméstica com base no salário que a pessoa ganharia na sua profissão caso estivesse a trabalhar e, no caso de quem não trabalha, a partir de um salário estimado. Excluíram-se as pessoas que estão em casa mas que não fazem parte da força de trabalho, como pensionistas, por exemplo.
A segunda abordagem baseia-se no número de horas trabalhadas em casa e no custo que isso teria caso fosse contratado externamente. Esta última pode ser aperfeiçoada considerando, não um valor médio para um trabalhador que preste serviços em casa, mas os salários dos diferentes especialistas, como baby-sitters ou motoristas.
No caso português, as estimativas são de, respetivamente, 14,9% e 19% do PIB. O que corresponde a uma produção caseira entre €23,2 mil milhões e €29,6 mil milhões.
Bélgica e Alemanha lideram, com valores que podem ultrapassar bastante os 30%. Em Espanha, culturalmente mais semelhante à realidade portuguesa, o peso no PIB está entre 19,4% e 26,1% (ver gráfico com a média das duas estimativas nos vários países).
A riqueza produzida em casa aumenta ainda se se considerar o tempo gasto a cuidar dos filhos. Nesse caso, são mais 2,7% a 4,9% do PIB português.
Em média, os europeus gastam 202 minutos por dia (três horas e 22 minutos) em tarefas domésticas, a que se somam mais 23 minutos a cuidar dos filhos (neste caso apenas se consideram tarefas diretas e não indiretas como lavar roupa ou preparar refeições). Ou seja, 225 minutos que ultrapassam os 218 gastos emmédia a trabalhar diariamente.
Este total tem em conta todas as pessoas, no entanto, se se olhar apenas para quem trabalha a tempo inteiro (e não desempregados ou trabalhadores a tempo parcial), o tempo ocupado pelos europeus em trabalho doméstico e a cuidar dos filhos é de 141 minutos por dia, contra 374 a trabalhar.
Neste aspeto, Portugal está abaixo da média, com 184 minutos de tarefas domésticas e 24 com os filhos.
Uma das realidades que o estudo constatou foi o maior peso das mulheres nestas atividades. A nível europeu ocupam 290 minutos neste "trabalho", enquanto os homens apenas 154. Nas famílias portuguesas, a diferença é bem menor: 215 minutos contra 201.
O trabalho doméstico em Portugal tem um dos mais baixos salários da União Europeia. Uma realidade que não é exclusiva desta profissão.Emmédia, com base em dados de 2006, quem trabalha nestas atividades recebia ¤3,5 em termos líquidos. Um valor distante dos mais de ¤20 pagos à hora na Dinamarca, embora no caso dinamarquês se tratem de valores brutos.
Mesmo assim, os trabalhadores domésticos portugueses recebem mais do que em muitos dos membros mais novos da União Europeia, como a Letónia (€0,9 líquidos), a Hungria (€2,3) ou a Lituânia (€1,5).
Os resultados deste estudo vêm confirmar que trabalhar em casa não é tempo perdido. Por isso, aqui fica uma dica ao leitor: Se tiver lido este artigo sem fazer mais nada, esteve em lazer puro.
Mas se, por acaso, passear o cão enquanto lê vai estar a contribuir para o PIB "real". Mesmo que o Instituto Nacional de Estatística não o detete nas suas estimativas. E, a €3,5 por hora, a leitura completa do Expresso até pode ser bastante rentável.
RIQUEZA CASEIRA
208 minutos é quantos os portugueses gastam em média por dia com tarefas domésticas (184 minutos) e a cuidar dos filhos (24 minutos). Na Europa, a média é de 271 minutos €3,5 é o salário líquido por hora de um trabalhador doméstico em Portugal.
Uma baby-sitter ganha €3,87
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